Turma de *multimédia* vai às aulas no Second Life

22.03.2007, Andrea Cunha Freitas
Alunos da Universidade do Porto aprendem em ambiente virtual.
A aula foi de biquíni em Bora Bora

SummUP Ling "Estamos a aprender, brincando"

Uma morena de t-shirt verde bem justa e andar bamboleante amparado por uns calções minimalistas. É Summ. Tânia escolheu uma imagem "séria, que servisse para estar na aula". Já foi ruiva de olhos azuis e franja, mas decidiu que " seria melhor explorar uma coisa mais real". O resultado entre a sua imagem real e virtual não é pura coincidência. Quanto à experiência, Tânia sublinha: "Temos a noção que estamos a aprender, brincando." "Sente-se a imersão, a jogabilidade, o RPG." O R quê? "Role playing game", decifra. O mais difícil foi mesmo "conseguir tratar o professor por tu, algo que na real life não é muito possível". Admitindo que existe um elevado risco de dispersão, Tânia defende que essa será uma tendência inicial inerente à descoberta.

LenitahUP Ling
"O Second Life pode fazer-nos crescer"
Cabelos loiros a cair sobre os ombros e a deslizar à volta de duas asas azuis presas às costas. O corpo é virtualmente perfeito e coberto por um biquíni. "Asas são algo que não posso ter. Não gosto de pássaros por isso escolhi umas de borboleta", refere, adiantando que foram compradas no SL, como tudo e todos os acessórios. O cabelo e a cara foram diferentes. Lenitah já foi morena. Enquanto fala, Helena tecla no computador e participa na aula: "O SL pode fazer-nos crescer cá fora." Explica que "cá fora" é muito mais tímida. "A Lenitah é muito desinibida, muito mais leve. Eu gostava de ser um pouco mais desinibida, mas não tanto como ela", confessa a rir, adiantando que perdeu o medo de falar inglês com a experiência desta "segunda vida", que experimenta em casa por gozo. "Se calhar dispersamo-nos, mas, ao mesmo tempo, vamos aprendendo. Por vezes, nem chegamos a ter noção que estamos a adquirir conhecimento, mas isso é bom, porque ele fica cá", refere. Parte má? "Ser viciante."

LiliUP Ling "Ainda ninguém faltou à aula"

Biquíni, morena de cabelos presos e com uma atracção pela fotografia. Lili é também mais desinibida que Vânia, que já é uma utilizadora do SL fora do horário escolar. Sobre este inovador suporte para uma aula defende que "motiva muito mais do que estar numa sala a ouvir dar só matéria teórica". "Prova disso é o facto de ainda ninguém ter faltado à aula até hoje", diz, considerando ainda que, neste caso, o ambiente se relaciona-se com a cadeira. Noutras disciplinas seria possível recorrer ao SL para dar a lição? "Não", é a resposta imediata. "Isso iria contra o professor típico que não arrisca muito. Aqui com este professor faz sentido. Noutra aula, duvido. Também ajuda o facto de sermos poucos."

SylviaUP Ling "Mudamos só porque podemos"

A aula mudou para o auditório do SL que habitualmente visitam - Sunbelt Sofware Auditorium. As raparigas vestem agora calças de ganga e Sylvia aproveita para mudar a cor da t-shirt. "Mudamos só porque podemos", diz. Escolhe branco para a "boneca" de cabelos castanhos, numa versão próxima da real utilizadora. Nunca tinha ouvido falar nesta outra dimensão. "Gosto da possibilidade de visitar outros locais, de falar com pessoas que não se encontram facilmente. Temos mais à vontade para falar". No auditório, a turma bebe café, come pipocas e fuma charutos. "Em nenhuma outra aula isto faria sentido", concorda Sílvia. Acrescenta: "Aqui debatemos questões que estão relacionadas com a matéria, falamos sobre o impacto que as novas tecnologias têm na nossa vida." Sílvia confessa que também visita este mundo virtual fora de aulas. "Mas faço questão de nunca passar lá mais de meia hora."

PalUP Ling - O guia de toda a viagem

T-shirt preta com o logótipo de Universidade do Porto, calças da mesma cor, careca e com um brinco brilhante na orelha. Um ar cool, portanto. Pal tem mantido a imagem desde o início sem grandes alterações. Deste lado, Paulo é parecido com o que se vê no ecrã. Como professor é responsável por conduzir a aula em SL, moderar o diálogo e mesmo travar alguns excessos. A turma trabalha também num blogue, onde são aprofundados os assuntos debatidos na aula. "Cá fora" está a fazer um doutoramento na Universidade Nova de Lisboa relacionado com a comunicação e a apropriação do espaço em Second Life. Está inscrito na mailling list SLEducators que lhe envia cerca de 1200 mails por mês sobre actividades nesta área. Tem mais avatares e obviamente vai ao SL sem ser no cumprimento da obrigação profissional. Há já oito meses que escolheu frequentar esta segunda dimensão. Há pouco mais de um mês decidiu levar a turma de Hipermedia e Estruturas Narrativas do 3º ano da licenciatura em Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto para Bora Bora e muitas outras paragens.

LiliUP Ling: ainda hj me dava imenso jeito poder teleportar-me na RL
LiliUP Ling: ...hj e sp
LenitahUP Ling: e voar =D
LiliUP Ling: voar claro!!
LiliUP Ling: basicamente tinhamos gds vantagens se a vida fosse um jogo
PalUP Ling: humm, tás mais sociável?
LiliUP Ling: SL é uma forma de comunicação tb...e todas as formas de comunicação ajudam na socialização de um modo geral
PalUP Ling: e acham q a introdução do som da voz vai ajudar?
LiliUP Ling: a voz é mais um elemento q ficam a conhecer da RL...é pessoal
SummUP Ling: tudo o q é inovação começa por ser uma surpresa no inicio e mts pessoas n gostam d partilhar algo d tao intimo cm a voz
LiliUP Ling: os outros podem aperceber-se de do nosso estado de espirito por exemplo
SylviaUP Ling: para quem é timido, teclar é a melhor coisa do mundo lol
LiliUP Ling: falas c toda a gente sem teres q encarar ngm
SylviaUP Ling: o sl também nao promove o narcisismo? lol
SylviaUP Ling: acho que sim. há uma preocupação com a imagem do nosso avatar, ninguem o nega.

Estamos na ilha Bora Bora. Espera-se a chegada de SummUP Ling que se encontra no Hawai, mas está prestes a ser teleportada até à areia branca onde se instalou o resto da "turma" Ling. "Este sítio é porreiro, tem o barulho do mar e tem pouca gente a esta hora da manhã", nota PalUP Ling. Atenção. Vai começar a aula de Hipermedia e Estruturas Narrativas do 3º ano da licenciatura em Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto. E tudo se passa no Second Life, uma comunidade virtual e que reúne já milhões de utilizadores em todo planeta.
E se na vida real decidíssemos levar para uma vida virtual uma acção da vida real para falar sobre questões relacionadas com a vida virtual? No fundo é isso. Paulo Frias, professor da licenciatura de Jornalismo, decidiu usar o popular programa Second Life como ambiente de trabalho. A experiência começou no início deste semestre e será inédita em Portugal, mas não no mundo, onde existem mais de 90 universidades a fazer o mesmo, sobretudo norte-americanas. Por cá, desde há um mês que as aulas acontecem no Second Life envolvendo as cinco alunas e o professor que compõem a "turma" Ling. Nas duas horas de trabalho agendadas para hoje fala-se sobretudo de SL vs RL que, traduzindo, quer dizer Second Life vs Real Life. Mas não só. Fala-se também das sapatilhas que se compram por ali, da saia que se usa, do biquíni, dos cabelos. E, apesar de tudo começar numa roda de pessoas sentadas na areia, há momentos de dispersão aproveitados para voar, fazer windsurf, dançar, comer, beber. Os personagens - os alter-ego - ainda estão em construção. O professor - habitante deste mundo virtual há mais tempo - mantém a sua figura desde o início. Elas não. Mudam de roupa ao longo da aula - escolhem um biquíni para a praia e uns jeans para o auditório, onde termina a lição. Desde que tudo começou algumas mudaram o corpo. Já foram loiras e hoje são morenas. Hoje há uma ausência no grupo - é a primeira falta que esta disciplina regista desde que entrou neste mundo SL. Falta Rita Sousa, aka LiaUP Ling.

"A vantagem é termos à disposição um ambiente mais informal, experimentarmos novos códigos, novos dispositivos audiovisuais e hipermediáticos, explorarmos outras formas de comunicar e outras linguagens que têm tudo a ver com a matéria desta cadeira", explica Paulo Frias (ou PalUP Ling), que define o Second Life como "um ambiente colaborativo on-line". De manhã encontram-se "ali" uma média de 17 mil utilizadores, mas à noite o número sobe para o dobro. Por vezes, há habitantes que interrompem a aula e tentam iniciar conversa com o grupo Ling. A maior parte das vezes são ignorados. No entanto, o grupo pode ter convidados. No dia 12 de Março, por exemplo, agendou-se uma conversa com Eggy Lippmann, residente no SL desde 2003, no Sunbelt Sofware Auditorium. E Paulo Frias promete mais. "Estou a pensar organizar alguns encontros com pessoas ligadas a esta área que conheço nos Estados Unidos e noutros países. Este é óptimo local para promover essas conversas", refere. O plano para o futuro passa também por envolver a Universidade do Porto nesta "vertente mais académica" do Second Life, permitindo que estudantes de outras áreas desenvolvam programação específica para estas aulas - ou seja, fazer com que seja possível usar apresentações com projector ou outras sem sair do SL. "Podemos criar aqui uma plataforma de transferência da informação", desafia Paulo Frias.

A aula está prestes a começar e os alunos, dispersos pela sala, estão prontos a assumir os seus avatares. Assim temos, Sílvia Bento aka SylviaUP Ling, Tânia Carvalho aka SummUP Ling, Helena Borges aka LenitahUP Ling e Vânia Cardoso aka LiliUP Ling e, claro, Paulo Frias aka PalUP Ling. Cinco pessoas sentadas na praia de Bora Bora.


Fonte: Público (Página 10 do P2 de hoje).

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