Entrevista retirada do Público Online (excertos)
Daniel Okrent, 60 anos, foi o primeiro provedor dos leitores do New York Times, entre Dezembro de 2003 e Maio de 2005, depois de uma série de escândalos que abalaram a credibilidade do maior jornal norte-americano. Antes tinha desempenhado cargos de chefia em várias redacções, incluindo a revista Time. O PÚBLICO entrevistou-o na apresentação da edição portuguesa do seu livro, "O Provedor", onde junta uma série de crónicas escritas nessa função e reflecte também sobre acontecimentos da altura.
Tornou-se provedor do New York Times em Dezembro de 2003, depois do escândalo ocorrido com o jornalista Jason Blair (acusado de plágio e de fabricar factos e pessoas nas suas reportagens). Como é que se sentiu quando o convidaram?
Tinha-me reformado antecipadamente da revista Time, onde fui editor durante muitos anos, estava a começar a escrever um livro e não andava à procura de emprego. Quando me ligaram a perguntar, aceitei porque era o New York Times e porque iria ser o primeiro provedor, foi difícil dizer que não. Se fosse outro jornal qualquer ou se tivesse sido o terceiro ou quarto provedor, nunca o teria feito. Mas porque iria ter a oportunidade de ter um papel na definição do que este cargo seria, no jornal mais importante dos Estados Unidos e de língua inglesa a nível mundial, tive de dizer que sim.
Lembro-me de que me ofereceram o emprego numa sexta-feira e disse que lhes responderia na segunda, e eu e a minha mulher estávamos em Washington a visitar um amigo e fomos ao cinema. Não me lembro de nada do filme, porque só pensava: “Oh meu deus, como é que isto vai ser?” Porque sabia que as coisas iriam ser muito intensas.
Da forma como fala, é muito difícil ser provedor?
Ninguém telefona para dizer que está contente ou que gosta do que faz o jornal, quase só ouvimos comentários de pessoas zangadas. E depois o provedor chega ao pé de um repórter e diz: “Aquele artigo que escreveste na semana passada, não deixou as pessoas muito contentes, aqui está o que estava errado”. E isso também não o deixa contente. Por isso, não fazemos amigos nesta função. Daí a minha citação inicial no livro (risos): “Se te enforcarem hei-de lembrar-me de ti para sempre” (Humphrey Bogart em Relíquia Macabra).
Já tinha sido jornalista durante muito tempo. Como é que foi a mudança?
Muito surpreendente. A maior mudança foi o descontentamento que vi nas pessoas, com formas de fazer jornalismo que eu tinha praticado durante toda a minha carreira. E nunca me ocorreu, porque não trabalhava numa instituição com provedor, que algumas das coisas que eu fazia enquanto jornalista, como confiar em fontes anónimas... Nunca me passou pela cabeça que os leitores não acreditassem...
Não acreditassem como?
Os leitores dizem: “O jornalista diz que de acordo com uma fonte bem colocada no Departamento de Estado, isto vai acontecer, mas eu não acredito nisso porque acho que o jornalista está a dizer o que acha que vai acontecer e finge que foi outra pessoa que disse.” Isto porque se trata de uma fonte anónima e não pode ser ligada a ninguém. Isso é algo que agora, quando ainda faço algum jornalismo, deixei de fazer. Por vezes, alguns jornalistas são obrigados a recorrer a fontes anónimas, mas é melhor colocarem no artigo que algo vai acontecer (assumindo essa responsabilidade). As fontes anónimas não têm credibilidade junto dos leitores.
Com que outras grandes questões é que se deparou?
Fui provedor durante a campanha presidencial entre o Bush e o Kerry, em 2004, e senti que os partidários de ambos os lados liam as notícias quase palavra por palavra. Se estavam de acordo com a forma como vêem o mundo, eram verdade; mas se contradiziam, achavam que eram tendenciosas...
O New York Times é conhecido por ser um jornal democrata...
É esse o problema, e acho que devemos falar para o outro lado. Quanto mais a nossa credibilidade é desafiada por sermos conhecidos como democratas, mais temos de ter a certeza de que não estamos a favorecer esse lado.
Mas como é que se obtém esse equilíbrio?
Desequilíbrio há sempre algum, mas se formos vigilantes e cuidadosos, conseguimos reduzi-lo muito. E é particularmente complicado no New York Times, em que as posições editoriais nas páginas de opinião são muito democratas. Por isso, qualquer pessoa pega no jornal assumindo que há essa tendência e isso é mau para o jornalismo. Os jornalistas podem dizer que os republicanos não os irão ler e por isso não precisam de se preocupar. Só que depois tornam-se líderes de claques, depois eles próprios partidários, se alguma vez desistirem de examinar um lado tão detalhadamente como examinam o outro. É uma batalha muito difícil, não sei se alguém poderá vencê-la, mas podemos tentar seriamente.
Como é que um jornalista consegue evoluir entre os dois lados?
Deve continuar sempre a desafiar-se a si próprio. Se eu for um democrata, devo tentar ver igualmente o lado republicano. Tenho de o fazer, porque caso contrário vou começar a ver apenas um lado.
Diz no seu livro que os jornalistas são pessoas arrogantes. Porquê?
Somos donos da tinta e donos do papel e estamos numa posição em que julgamos outras pessoas numa base diária, mas nunca nos submetemos pessoalmente. Existe uma atitude de defesa que temos enquanto jornalistas: quando alguém nos critica e acusa de sermos partidários, começamos por identificar a forma como aquela pessoa está errada. Não começamos por nos interrogarmos se essa pessoa terá razão. E essa seria a forma honesta de fazermos o trabalho, começarmos com uma mente aberta em relação às críticas. Estamos numa posição de fazer declarações e não damos um igual tratamento a alguém que se queixa, existe uma arrogância implícita, de que a nossa opinião tem mais importância.
Nesta última campanha presidencial, a maioria dos jornalistas favoreceram o Obama, cerca de 90 por cento. Quando escrevemos sobre o McCain, a primeira coisa que temos de tentar fazer é olhar para o artigo através dos olhos de um apoiante do McCain, deve ser como se começa. Depois encontro a minha forma de chegar a uma posição que entenda como razoável. Então se alguém ligar do lado do McCain a queixar-se, não posso dizer “Você é do McCain, não interessa porque você é partidário”, tenho antes de perguntar qual é a natureza da queixa. Talvez eu não estivesse aberto a alguma coisa, talvez tenha dado demasiada importância àquilo que foi dito pelo outro lado. É essa falta de vontade...
O assunto mais emotivo nos Estados Unidos é Israel, as pessoas de ambos os lados sentem-no muito intensamente, e se publicássemos algum artigo sobre Israel ou a Palestina levávamos pancada de um lado ou do outro. E muitas vezes vi que as pessoas desvalorizavam algo com o argumento de que se tratava de apoiantes sionistas, mas isso não é um ponto de vista razoável. Qualquer artigo recebia centenas de cartas no dia a seguir, era impossível... É de loucos, as pessoas sentem esse assunto de forma muito intensa e por isso torna-se extremamente difícil ouvir as queixas ligadas a esse assunto.
Respondi a queixas específicas mas não escrevi sobre o assunto até ao final do mandato. Algumas pessoas acham que agi de uma forma covarde, mas eu sabia que se o fizesse mais cedo iria perder as pessoas de um lado ou do outro. Existe um grupo chamado Camera – Comité para Exactidão na Cobertura do Médio Oriente na América, de análise de notícias, que é de influência sionista. Gostavam muito de mim, porque eu falava com eles e reagia sempre às queixas, fazia questão de que os repórteres respondessem, só diziam coisas boas sobre mim. E depois quando fui falar com eles, numa longa conversa, e depois escrevi o meu artigo, onde tinha uns dois parágrafos críticos sobre eles, disseram: “Claramente, você esteve sempre a mentir-nos” (risos).
Como é que foi lidar com grandes organizações que refere no seu livro, como o gigante de retalho Wall Mart? Sentia muitas pressões?
Era fácil lidar com a pressão dos grupos económicos e do Governo, por várias razões. Os profissionais das relações públicas que estão a pressionar sabem como é que eu e os jornalistas ganhamos a vida. Há uma compreensão profissional mútua que não existe nas pessoas sem experiência em lidar com a imprensa.
Os leitores ou alguém sobre quem se escreve uma primeira vez, não fazem ideia de como é, não sabem como é ser entrevistado por um jornalista, dizem coisas que preferiam nunca ter dito. Era muito mais compreensivo com essas pessoas.
Tentou explicar a essas pessoas como é que funciona um jornal?
Claro que sim... O repórter fica a saber de um assunto às 16h00, fala com a pessoa às 16h30 e tem de escrever sobre o assunto até às 19h00. Não vai ficar perfeito, mas também não é desculpa para o jornal, e por isso muitas vezes entrei em discussões com repórteres e com editores, que chegaram a deixar de falar comigo.
Houve uma vez uma notícia de última hora, trataram-na de forma errada e quando confrontei a editora da área de Educação ela disse: “Somos um jornal.” Mas isso não é desculpa.
Ela ficou muito zangada e deixou de falar comigo, dizia que eu tinha sido injusto porque [na minha crónica sobre o assunto] retirei uma frase dela do contexto. Mas quantas vezes é que as pessoas lhe disseram o mesmo durante a carreira? Estamos sempre a fazer isso enquanto jornalistas. O que era irónico é que ela, que é uma jornalista muito experiente, tinha uma queixa idêntica à queixa que lhe tinha sido feita durante toda a sua carreira, e ela não conseguia ver como isso era irónico.
Qual é para si a fronteira entre imprecisões e crime no jornalismo?
É uma questão de intenções. Todos fazemos erros, trabalhamos demasiado depressa, não fazemos aquela quinta chamada... Esses não são crimes, são erros que não deveríamos ter feito, mas foram sem intenção. Mas quando começamos a dizer: “Vou apanhá-lo, vou deixar esta parte de fora da notícia, que explica porque é que ele fez algo”, e o fazemos de propósito, porque queremos que o outro pareça mau, isso é um crime, é um crime sério. Mas penso que acontece mais nos Estados Unidos do que em outros países.
A crónica mais importante que escrevi era sobre a invasão do Iraque: o primeiro chefe dessa delegação do New York Times quando a guerra estava a começar, contratou a sobrinha do Ahmed Chalabi (líder da oposição no exílio, mais tarde caído em desgraça) para trabalhar para ele como assistente e nunca contou isso aos leitores. O Ahmed Chalabi era uma das suas fontes principais, ele tinha boas relações com um membro da família... Não estou a dizer que ela fosse desonesta ou que o repórter fosse desonesto, mas temos de revelar essas coisas. E o facto não o ter revelado foi de propósito. Isto foi muito sério e tive uma luta horrível sobre isso, e depois de ter escrito sobre o assunto ele ficou zangadíssimo. E mais tarde, foi despedido.
Com a importância nada vez maior da Internet e dos blogues, como é que irá evoluir o jornalismo?
É bom e mau, porque estamos a introduzir não profissionais e amadores na prática do jornalismo e eles não sabem do que é que estamos a falar, o que é muito perigoso. Mas é também uma oportunidade para que mais vozes sejam ouvidas, o que é uma coisa boa, particularmente ao nível dos pequenos jornais, em pequenas cidades, que estão em decadência.
Tornou-se provedor do New York Times em Dezembro de 2003, depois do escândalo ocorrido com o jornalista Jason Blair (acusado de plágio e de fabricar factos e pessoas nas suas reportagens). Como é que se sentiu quando o convidaram?
Tinha-me reformado antecipadamente da revista Time, onde fui editor durante muitos anos, estava a começar a escrever um livro e não andava à procura de emprego. Quando me ligaram a perguntar, aceitei porque era o New York Times e porque iria ser o primeiro provedor, foi difícil dizer que não. Se fosse outro jornal qualquer ou se tivesse sido o terceiro ou quarto provedor, nunca o teria feito. Mas porque iria ter a oportunidade de ter um papel na definição do que este cargo seria, no jornal mais importante dos Estados Unidos e de língua inglesa a nível mundial, tive de dizer que sim.
Lembro-me de que me ofereceram o emprego numa sexta-feira e disse que lhes responderia na segunda, e eu e a minha mulher estávamos em Washington a visitar um amigo e fomos ao cinema. Não me lembro de nada do filme, porque só pensava: “Oh meu deus, como é que isto vai ser?” Porque sabia que as coisas iriam ser muito intensas.
Da forma como fala, é muito difícil ser provedor?
Ninguém telefona para dizer que está contente ou que gosta do que faz o jornal, quase só ouvimos comentários de pessoas zangadas. E depois o provedor chega ao pé de um repórter e diz: “Aquele artigo que escreveste na semana passada, não deixou as pessoas muito contentes, aqui está o que estava errado”. E isso também não o deixa contente. Por isso, não fazemos amigos nesta função. Daí a minha citação inicial no livro (risos): “Se te enforcarem hei-de lembrar-me de ti para sempre” (Humphrey Bogart em Relíquia Macabra).
Já tinha sido jornalista durante muito tempo. Como é que foi a mudança?
Muito surpreendente. A maior mudança foi o descontentamento que vi nas pessoas, com formas de fazer jornalismo que eu tinha praticado durante toda a minha carreira. E nunca me ocorreu, porque não trabalhava numa instituição com provedor, que algumas das coisas que eu fazia enquanto jornalista, como confiar em fontes anónimas... Nunca me passou pela cabeça que os leitores não acreditassem...
Não acreditassem como?
Os leitores dizem: “O jornalista diz que de acordo com uma fonte bem colocada no Departamento de Estado, isto vai acontecer, mas eu não acredito nisso porque acho que o jornalista está a dizer o que acha que vai acontecer e finge que foi outra pessoa que disse.” Isto porque se trata de uma fonte anónima e não pode ser ligada a ninguém. Isso é algo que agora, quando ainda faço algum jornalismo, deixei de fazer. Por vezes, alguns jornalistas são obrigados a recorrer a fontes anónimas, mas é melhor colocarem no artigo que algo vai acontecer (assumindo essa responsabilidade). As fontes anónimas não têm credibilidade junto dos leitores.
Com que outras grandes questões é que se deparou?
Fui provedor durante a campanha presidencial entre o Bush e o Kerry, em 2004, e senti que os partidários de ambos os lados liam as notícias quase palavra por palavra. Se estavam de acordo com a forma como vêem o mundo, eram verdade; mas se contradiziam, achavam que eram tendenciosas...
O New York Times é conhecido por ser um jornal democrata...
É esse o problema, e acho que devemos falar para o outro lado. Quanto mais a nossa credibilidade é desafiada por sermos conhecidos como democratas, mais temos de ter a certeza de que não estamos a favorecer esse lado.
Mas como é que se obtém esse equilíbrio?
Desequilíbrio há sempre algum, mas se formos vigilantes e cuidadosos, conseguimos reduzi-lo muito. E é particularmente complicado no New York Times, em que as posições editoriais nas páginas de opinião são muito democratas. Por isso, qualquer pessoa pega no jornal assumindo que há essa tendência e isso é mau para o jornalismo. Os jornalistas podem dizer que os republicanos não os irão ler e por isso não precisam de se preocupar. Só que depois tornam-se líderes de claques, depois eles próprios partidários, se alguma vez desistirem de examinar um lado tão detalhadamente como examinam o outro. É uma batalha muito difícil, não sei se alguém poderá vencê-la, mas podemos tentar seriamente.
Como é que um jornalista consegue evoluir entre os dois lados?
Deve continuar sempre a desafiar-se a si próprio. Se eu for um democrata, devo tentar ver igualmente o lado republicano. Tenho de o fazer, porque caso contrário vou começar a ver apenas um lado.
Diz no seu livro que os jornalistas são pessoas arrogantes. Porquê?
Somos donos da tinta e donos do papel e estamos numa posição em que julgamos outras pessoas numa base diária, mas nunca nos submetemos pessoalmente. Existe uma atitude de defesa que temos enquanto jornalistas: quando alguém nos critica e acusa de sermos partidários, começamos por identificar a forma como aquela pessoa está errada. Não começamos por nos interrogarmos se essa pessoa terá razão. E essa seria a forma honesta de fazermos o trabalho, começarmos com uma mente aberta em relação às críticas. Estamos numa posição de fazer declarações e não damos um igual tratamento a alguém que se queixa, existe uma arrogância implícita, de que a nossa opinião tem mais importância.
Nesta última campanha presidencial, a maioria dos jornalistas favoreceram o Obama, cerca de 90 por cento. Quando escrevemos sobre o McCain, a primeira coisa que temos de tentar fazer é olhar para o artigo através dos olhos de um apoiante do McCain, deve ser como se começa. Depois encontro a minha forma de chegar a uma posição que entenda como razoável. Então se alguém ligar do lado do McCain a queixar-se, não posso dizer “Você é do McCain, não interessa porque você é partidário”, tenho antes de perguntar qual é a natureza da queixa. Talvez eu não estivesse aberto a alguma coisa, talvez tenha dado demasiada importância àquilo que foi dito pelo outro lado. É essa falta de vontade...
O assunto mais emotivo nos Estados Unidos é Israel, as pessoas de ambos os lados sentem-no muito intensamente, e se publicássemos algum artigo sobre Israel ou a Palestina levávamos pancada de um lado ou do outro. E muitas vezes vi que as pessoas desvalorizavam algo com o argumento de que se tratava de apoiantes sionistas, mas isso não é um ponto de vista razoável. Qualquer artigo recebia centenas de cartas no dia a seguir, era impossível... É de loucos, as pessoas sentem esse assunto de forma muito intensa e por isso torna-se extremamente difícil ouvir as queixas ligadas a esse assunto.
Respondi a queixas específicas mas não escrevi sobre o assunto até ao final do mandato. Algumas pessoas acham que agi de uma forma covarde, mas eu sabia que se o fizesse mais cedo iria perder as pessoas de um lado ou do outro. Existe um grupo chamado Camera – Comité para Exactidão na Cobertura do Médio Oriente na América, de análise de notícias, que é de influência sionista. Gostavam muito de mim, porque eu falava com eles e reagia sempre às queixas, fazia questão de que os repórteres respondessem, só diziam coisas boas sobre mim. E depois quando fui falar com eles, numa longa conversa, e depois escrevi o meu artigo, onde tinha uns dois parágrafos críticos sobre eles, disseram: “Claramente, você esteve sempre a mentir-nos” (risos).
Como é que foi lidar com grandes organizações que refere no seu livro, como o gigante de retalho Wall Mart? Sentia muitas pressões?
Era fácil lidar com a pressão dos grupos económicos e do Governo, por várias razões. Os profissionais das relações públicas que estão a pressionar sabem como é que eu e os jornalistas ganhamos a vida. Há uma compreensão profissional mútua que não existe nas pessoas sem experiência em lidar com a imprensa.
Os leitores ou alguém sobre quem se escreve uma primeira vez, não fazem ideia de como é, não sabem como é ser entrevistado por um jornalista, dizem coisas que preferiam nunca ter dito. Era muito mais compreensivo com essas pessoas.
Tentou explicar a essas pessoas como é que funciona um jornal?
Claro que sim... O repórter fica a saber de um assunto às 16h00, fala com a pessoa às 16h30 e tem de escrever sobre o assunto até às 19h00. Não vai ficar perfeito, mas também não é desculpa para o jornal, e por isso muitas vezes entrei em discussões com repórteres e com editores, que chegaram a deixar de falar comigo.
Houve uma vez uma notícia de última hora, trataram-na de forma errada e quando confrontei a editora da área de Educação ela disse: “Somos um jornal.” Mas isso não é desculpa.
Ela ficou muito zangada e deixou de falar comigo, dizia que eu tinha sido injusto porque [na minha crónica sobre o assunto] retirei uma frase dela do contexto. Mas quantas vezes é que as pessoas lhe disseram o mesmo durante a carreira? Estamos sempre a fazer isso enquanto jornalistas. O que era irónico é que ela, que é uma jornalista muito experiente, tinha uma queixa idêntica à queixa que lhe tinha sido feita durante toda a sua carreira, e ela não conseguia ver como isso era irónico.
Qual é para si a fronteira entre imprecisões e crime no jornalismo?
É uma questão de intenções. Todos fazemos erros, trabalhamos demasiado depressa, não fazemos aquela quinta chamada... Esses não são crimes, são erros que não deveríamos ter feito, mas foram sem intenção. Mas quando começamos a dizer: “Vou apanhá-lo, vou deixar esta parte de fora da notícia, que explica porque é que ele fez algo”, e o fazemos de propósito, porque queremos que o outro pareça mau, isso é um crime, é um crime sério. Mas penso que acontece mais nos Estados Unidos do que em outros países.
A crónica mais importante que escrevi era sobre a invasão do Iraque: o primeiro chefe dessa delegação do New York Times quando a guerra estava a começar, contratou a sobrinha do Ahmed Chalabi (líder da oposição no exílio, mais tarde caído em desgraça) para trabalhar para ele como assistente e nunca contou isso aos leitores. O Ahmed Chalabi era uma das suas fontes principais, ele tinha boas relações com um membro da família... Não estou a dizer que ela fosse desonesta ou que o repórter fosse desonesto, mas temos de revelar essas coisas. E o facto não o ter revelado foi de propósito. Isto foi muito sério e tive uma luta horrível sobre isso, e depois de ter escrito sobre o assunto ele ficou zangadíssimo. E mais tarde, foi despedido.
Com a importância nada vez maior da Internet e dos blogues, como é que irá evoluir o jornalismo?
É bom e mau, porque estamos a introduzir não profissionais e amadores na prática do jornalismo e eles não sabem do que é que estamos a falar, o que é muito perigoso. Mas é também uma oportunidade para que mais vozes sejam ouvidas, o que é uma coisa boa, particularmente ao nível dos pequenos jornais, em pequenas cidades, que estão em decadência.
Comentários
putting the journalist coat on: tocou assuntos que me fizeram lembrar discussões nossas, "estandartes" de profs... conheço uns quantos que a esta hora estão a usar esta entrevista como cartaz.. não é Helder?... não é Suzana?... lol